Arqueologia de um repórter
Marcos Faerman (Rio Pardo, 5 de abril de 1943 - São Paulo, 12 de fevereiro de 1999) foi jornalista, repórter, editor, administrador cultural e professor. Viveu grande parte de sua trajetória profissional durante a ditadura militar que tomou o Brasil em 1964, e e participou, como criador, editor e repórter, de importantes publicações da imprensa alternativa, um importante espaço de resistência ao regime autoritário. Escreveu mais de 800 reportagens para o Jornal da Tarde, durante 24 anos. Tornou-se conhecido pela prática do jornalismo literário, gênero que faz uso de técnicas narrativas da ficção no relato de histórias reais.
Marcos Faerman nasceu em Rio Pardo, cidade do interior do Rio Grande do Sul. Seus pais, o comerciante Henrique Faerman e a dona de casa Helena Sandler, eram descendentes de famílias judaicas vindas da Russia para o Brasil na primeira década do século XX, em decorrência da perseguição praticada então contra os judeus.
Em 1955, a família perdeu sua residência e o armazém de Henrique num incêndio e partiu para Porto Alegre. Lá, Marcos teve contato com as ideias socialistas por meio de seu tio Carlos Scliar, muito atuante no apoio e na infraestrutura das ações do Partido Comunista no sul do Brasil, e que fornecia aos sobrinhos material do partido. Fez os estudos secundários no colégio estadual Julio de Castilhos, e tornou-se líder da juventude estudantil comunista. Escreveu jornais e aprendeu a diagramar.
Aos dezessete anos, foi contratado para trabalhar como jornalista profissional na Última Hora de Porto Alegre, após levar para o jornal um manifesto estudantil. Escreveu na Última-Hora até 1964, quando, após o golpe, ela foi fechada e substituída pela Zero Hora. Ali, exerceu as funções de reporter, secretário de redação e criador do Caderno de Cultura.
Integrou-se ao Partido Comunista Brasileiro em 1964 e, em 1967, fez parte da direção da Dissidência Leninista do Partido Comunista Brasileiro no Rio Grande do Sul. Em 1968, participou da fundação do Partido Operário Comunista (POC), e, eleito para a sua direção nacional, foi destacado para militar em São Paulo. Por meio do jornalista Renato Pompeu, que também era um quadro do POC, entrou, no mesmo ano, para a equipe do Jornal da Tarde, em São Paulo, como redator de internacional.
Permaneceu no JT ao longo de 24 anos, trabalhando como redator, editor de Esportes, sub-editor de Internacional e co-editor do Caderno de Sábado. Foi reporter Especial por quinze anos e recebeu, entre outros, o Prêmio Esso na categoria Informação Científica por Nasceu! Exclusivo: acaba de nascer o primeiro brasileiro do parto Leboyer (04/07/1974), menção honrosa em Esportes por Os habitantes das arquibancadas (28/07/1975), Prêmio do Ministério do Trabalho por Vida e morte no porto de Santos (14/03/1978).
Durante os anos de governo do general Emilio Garrastazu Médici (1969-1974), auge da ação dos instrumentos de repressão e tortura, foi frequentemente detido para prestar depoimentos no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Afastou-se do Partido Operário Comunista, mas mesmo assim ficou preso por uma semana na Operação Bandeirantes (OBAN), em agosto de 1970. Após esse episódio desligou-se da militância direta, mas voltou a ser detido em 1971 e 1972, ainda por sua participação no POC.
A partir de 1970, atuou na imprensa alternativa, que fez oposição ao regime militar e discutiu temas ignorados pela grande imprensa ou proibidos pela censura, como a tortura praticada contra os presos políticos, os sucessivos cortes às liberdades individuais e os debates das correntes de esquerda. Foi, nesse ano, correspondente em São Paulo do semanário alternativo carioca O Pasquim, que enfrentou, com muito humor, a truculência dos militares e tornou-se um dos maiores fenômenos do mercado editoral brasileiro.
Participou, no fim de 1973, da criação do combativo Ex-, inspirado em publicações underground americanas e europeias, e em jornais populares brasileiros. Criou e editou por 24 edições o jornal Versus, focado em refletir sobre o passado e o presente da América Latina, com textos densos, de força narrativa e poética.
Exerceu as funções de repórter, editor de cultura e editor da Shalom, uma revista judaica editada entre meados dos anos 1970 e o início dos anos 1990. Publicou textos, reportagens e ensaios sobre temas ligados ao judaísmo, como holocausto, neonazismo, cultura e política, sempre a partir de um posicionamento pacifista e pluralista.
Em 1994, foi convidado pelo jornalista Rodolfo Konder, na época Secretário Municipal de Cultura de São Paulo, para dirigir o Departamento do Patrimônio Histórico da cidade (DPH). Lá, criou um órgão de comunicação, a revista Cidade, que discutia as concepções de preservação e de história, atualizando as questões do Departamento e promovendo o debate e a circulação de ideias.
Lecionou Jornalismo Interpretativo na Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo, de 1996 até 1999. Dirigiu, durante esse período, o jornal laboratório da faculdade, Esquinas.
Marcos Faerman faleceu em sua casa, em São Paulo, no dia 12 de fevereiro de 1999, em consequência de um ataque cardíaco fulminante, assim como seu pai, Henrique Faerman. Foi casado com a psicanalista Marilsa Taffarel, a cientista Maria Inês Machado, a historiadora Nina Lomônaco e Vânia Pereira. Deixou os filhos Júlio Faerman, do casamento com Maria Inês Machado, e Laura Faerman, do casamento com Marilsa Taffarel.